Reconversão da Gastronomia

RECONVERSÃO DA GASTRONOMIA EM ESPANHA E NO MUNDO

O conteúdo deste Relatório limita-se principalmente à fase da desescalada do confinamento, mas tenta proporcionar uma visão global do que a gastronomia terá de ser quando regressar à normalidade.

 

Após a pandemia do Covid 19, e tendo em conta as novas tendências, a gastronomia terá de deixar de ser uma atividade puramente satisfatória, geradora de prazer, para se tornar uma atividade essencial do ser humano no século XXI. Numa visão de futuro, a ciência e a tecnologia terão um papel fundamental a desempenhar na luta contra a pandemia e na facilitação da reconversão da gastronomia.

A gastronomia é e deve ser uma das atividades mais saudáveis; sem dúvida, uma das mais solidárias; e definitivamente uma das que mais podem contribuir para o desenvolvimento sustentável do planeta.

E deve também continuar a ser uma das atividades de maior sucesso. O prazer e a diversão continuarão a ser uma das grandes razões para ir a um restaurante, bar, taberna ou bar de cocktails.

O Parlamento Europeu, na sua Resolução de 12 de Março de 2014 sobre o Património Gastronómico Europeu: Aspetos Culturais e Educativos (ponto R), define a gastronomia como “O conjunto de conhecimentos, experiências, artes e artesanato que permitem comer de forma saudável e com prazer”.

 

1.    GASTRONOMIA SAUDÁVEL

Embora a população continue a valorizar os alimentos como fator-chave para evitar possíveis doenças, o novo conceito de gastronomia saudável deve ser positivo. A forma como comemos e o que comemos deve contribuir para melhorar a nossa saúde em termos gerais. Após a pandemia, a saúde ficará permanentemente gravada na mente dos cidadãos. E isto também à hora das refeições.

Quanto ao cerne da questão, teríamos que ver como vão evoluir os seguintes aspetos:

• Produção de alimentos, agricultura, pecuária e pesca, que deveriam gerar alimentos e bebidas cada vez mais saudáveis. Para o efeito, estas atividades têm de ser rentáveis e contar com o apoio das diferentes Administrações.
• Indústria alimentar, que deve ter em conta estas necessidades de saúde para transformar alimentos, vegetais e animais, em produtos não perecíveis, a fim de que sejam preservados no tempo sem prejudicar a saúde dos consumidores. No entanto, terá de ser reformulada em termos de técnicas de transformação, reduzindo os aditivos e melhorando a transparência da rotulagem frontal, para que seja facilmente inteligível.
• Distribuição, tanto de produtos frescos como de não perecíveis para chegarem de uma forma adequada aos clientes habituais. Tem de abranger desde os canais de transporte aos mercados centrais e municipais, supermercados, lojas e boutiques, incluindo restaurantes e casas particulares.

De nada serviria se a produção agroalimentar gerasse alimentos mais saudáveis, que a indústria fizesse um esforço para os transformar nas melhores condições possíveis, se no final, devido a preços incomportáveis, os destinatários finais (sejam grupos, restaurantes ou particulares) não tivessem acesso a estes alimentos saudáveis.

Neste momento, praticamente não há problemas com a logística e a distribuição, o problema será com os preços e o rendimento disponível dos cidadãos. Pode haver fornecimentos suficientes nos pontos de venda, mas os consumidores podem não os poder adquirir.

• Casas particulares, restaurantes e refeitórios coletivos. É vital que a população disponha dos recursos necessários para comer saudavelmente não só nas suas casas, mas também nas empresas e comunidades de todos os tipos. E de uma forma fundamental nos estabelecimentos hoteleiros e de restauração, desde restaurantes às casas de comida pronta.

Tudo isto para que os espanhóis, garantindo higiene e segurança, possam ter acesso a uma dieta saudável e satisfatória; mas também, para gerar um atrativo adicional para os turistas, tanto nacionais como internacionais.

 

2.    GASTRONOMIA SOLIDÁRIA

Este objetivo e esta procura terão de ser satisfeitos, basicamente, através da incorporação do critério de solidariedade em todo o processo anterior.

• Por um lado, há necessidade de uma procura social para que, de uma forma ou de outra, esta onda de solidariedade que existe hoje possa ser transferida para o futuro.

Por conseguinte, temos de apoiar todos aqueles que, no âmbito da produção, da indústria, da distribuição e dos mercados, fazem um esforço para gerar produtos de proximidade, ajudando a evitar o despovoamento e permitindo que produtos saudáveis e produzidos de forma responsável cheguem ao destinatário final.

Temos de apoiar a solidariedade entendida como apoio ao que é “nosso”. Ao comprar alimentos em Espanha, estamos a ajudar o nosso país, facilitando o emprego dos nossos vizinhos e evitando o despovoamento. Neste sentido, um modelo de sucesso é o Correos Market.

• Também que se mantenha a atividade das cantinas sociais, as contribuições solidárias do mundo da restauração e todas as iniciativas que foram lançadas durante a pandemia, para que ninguém em Espanha tenha falta de alimentos suficientes e saudáveis.
• A solidariedade deve ser expressa a todos os níveis e deve envolver todos os intervenientes na cadeia alimentar. Por esta razão, os consumidores devem também mostrar-se solidários com as empresas e profissionais do sector da restauração, utilizando novos modelos de negócio, complementares à alimentação no local, tais como os negócios de take away (comida para levar), entrega (comida entregue em casa) e o serviço ao domicílio. As Câmaras Municipais poderiam fazer um apelo nesse sentido.

 

3.    GASTRONOMIA SUSTENTÁVEL

Seria inútil fazer todos os esforços acima referidos se, a prazo e não tomando as medidas adequadas, a terra e o mar deixassem de produzir alimentos suficientes ou de boa qualidade.

Por conseguinte, em todo o processo de produção alimentar, da indústria, da distribuição e do consumo, devem ser tomadas as medidas necessárias para reduzir a poluição do ar, da água e dos ecossistemas e para evitar a sobre-exploração dos recursos naturais. Isto será essencial se quisermos continuar a desfrutar de uma alimentação adequada no futuro, tanto para nós próprios como para as gerações futuras.

Na sequência das recomendações dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas, todas as questões levantadas devem inscrever-se no quadro de um desenvolvimento sustentável que garanta a defesa do território e dos direitos humanos, e para manter um equilíbrio adequado no mundo.

Neste sentido, os cidadãos devem também exercer um consumo responsável e evitar práticas ou produtos que não cumpram estes requisitos. Todos temos de participar nesta luta, apoiando as atividades e produções que são ecológicas e respeitadoras do ambiente.

Há que ter presente que, talvez, em consequência da “nova normalidade”, os plásticos e as embalagens que estavam a ser retirados por não serem amigos do ambiente voltem a ser utilizados, mas talvez agora sejam necessários para evitar o vírus.

 

4.    GASTRONOMIA SATISFATÓRIA

O aspeto satisfatório da gastronomia tem de se alargar aos restaurantes e casas de comida pronta até às casas particulares.

A Grande Covian dizia que as pessoas vão comer o que devem, se gostarem. Por conseguinte, é essencial que uma alimentação saudável, solidária e sustentável tenha também uma qualidade adequada do ponto de vista sensorial e gere satisfação.

Na medida do possível, a alimentação deve produzir tanto prazer sensorial como psíquico. Deve ser um fator de saúde física e de equilíbrio emocional.

Especialmente durante as desescaladas mas, também, quando chegarmos à “nova normalidade” as pessoas vão querer ter acesso a uma alimentação que gere prazer e satisfação. E partilhá-la com o resto do mundo.

Num mundo cheio de incertezas, a gastronomia pode e deve ser uma das atividades que nos torna um pouco mais felizes e alivia o mais possível os problemas associados à “fome emocional”. A Gastronomia é e deve ser a “indústria da felicidade”.

 

5.    ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Com a incerteza jurídica que esta situação gerou, é necessário responder às dúvidas e cenários jurídicos que se colocam a cada um dos agentes envolvidos no sector da restauração.

As diferentes atividades, estabelecimentos e profissionais do sector exigem medidas específicas para cada caso. Por conseguinte, é de vital importância que seja prestado um aconselhamento profissional adequado por parte de sociedades de advogados e instituições especializadas.

A maioria dos restaurantes e dos serviços alimentares enfrenta uma situação económica difícil, pelo que é imperativo que conheçam as várias opções disponíveis e quais as medidas a tomar para melhor fazer face às mudanças.

Nas últimas semanas, o Governo e as Comunidades Autónomas aprovaram muitas medidas legais para lidar com a cessação da actividade. Estas medidas incluem ajudas económicas, pagamentos de rendas, adiamento de pagamentos e dívidas, alterações de contratos e acordos laborais… Todos estes novos regulamentos podem ser difíceis de compreender.

Por outro lado, os novos modelos de negócio e a crescente digitalização dos serviços profissionais podem abrir debates ao interpretar a legislação actual.

Com a ajuda de uma pessoa especializada, empresas de gastronomia, restaurantes, bares, tabernas e cafetarias poderão resolver estas questões legais e encontrar formas de tornar o seu negócio rentável e sustentável.

 

6. APELO ÀS ADMINISTRAÇÕES PÚBLICAS

A Real Academia de Gastronomia gostaria de apelar às Administrações Públicas (Governo, Comunidades Autónomas e Câmaras Municipais) para que abordem, com especial interesse, todo o apoio e colaboração necessários ao sector da gastronomia em geral e, muito especialmente, ao sector da hotelaria e restauração.

De acordo com o relatório da KPMG referido no início deste artigo, o conjunto da actividade gastronómica em Espanha representa cerca de 30% do Produto Interno Bruto. A indústria alimentar é, em princípio, a mais importante em Espanha em termos de facturação.

Não há dúvida de que o sector da hotelaria e restauração é crucial para a criação de emprego e o turismo.

Por todas estas razões, é essencial manter a actividade de todas estas empresas, grandes, médias e pequenas, e também dos independentes, que conseguiram, nos últimos anos, colocar a cozinha espanhola ao mais alto nível e fazer de Espanha um dos principais destinos turísticos e gastronómicos.

A Real Academia de Gastronomia compreende que a política do Governo é básica, mas quer também apelar às Comunidades Autónomas e, muito especialmente, às Câmaras Municipais, que podem tomar medidas temporárias para permitir um mínimo de continuidade aos hotéis, restaurantes, bares, tabernas, cafetarias e bares de cocktails.

Para que possam ultrapassar a situação dramática causada pela pandemia e continuar, ainda que de forma pouco significativa, com as suas actividades, assegurando que possam retomar o seu pleno funcionamento no futuro.

 

7.- O PAPEL DA RAG NA RECONVERSÃO DA GASTRONOMIA

A RAG, tal como as outras Royal Academies, tem de abordar, propor e antecipar visões do futuro, abordagens globais, esquemas e cenários que permitam aos protagonistas de cada sector saber para onde se deslocam e quais são as suas possibilidades futuras.

É isto que a AGM está a tentar fazer com este relatório e com o documento sobre a “Reconversão da gastronomia”.

Da sua posição como instituição de referência no sector, a RAG instará os meios de comunicação social, os guias gastronómicos, os espaços de informação na Internet e as redes sociais a apoiarem expressamente estas novas modalidades de negócio no sector da restauração, dando a conhecer as novas ofertas gastronómicas dos estabelecimentos.

E também, aqueles que de alguma forma apoiam a solidariedade e a gastronomia sustentável, adquirindo produtos locais, ecológicos, artesanais e, de alguma forma, mantendo aquela imensa onda de solidariedade gastronómica que existiu em Espanha durante estas últimas semanas.

Há dois anos, com o apoio da RAG, foi criada a Associação Europeia de Direito e Gastronomia com o objectivo de fornecer informação específica a todos os profissionais dos sectores da restauração e da gastronomia em geral. Isto é agora de importância vital, dadas as inúmeras regras e regulamentos que estão a ser desenvolvidos em resposta aos estragos que a pandemia causou no sector.

A partir destas bases e desta visão global, a evolução nos diferentes territórios deve ser realizada com a indispensável e necessária colaboração das Academias de Gastronomia das Comunidades Autónomas de Gastronomia.

O conhecimento da RAG sobre a evolução da gastronomia espanhola nos últimos anos até se ter tornado numa das melhores e mais notáveis do mundo é agora um instrumento fundamental para analisar o futuro da indústria da restauração.